Nosso país é particularmente complexo para negócios. Segundo o Banco Mundial, o Brasil ocupa a 125ª. posição no ranking de complexidade entre 190 países listados em 2024, o que o coloca praticamente no terço mais complexo da referida lista. 

No entanto, existem no Brasil mais de 20 milhões de empresas, inclusas aqui as MEIs, segundo o Econodata. Só em 2025, mais de 1 milhão de novos CNPJ´s foram gerados. 

Então, surgem duas perguntas: 1. por que alguém em sã consciência se aventuraria a abrir um negócio aqui? E 2. Por que focaria apenas no mercado interno brasileiro?

Várias são as explicações plausíveis, mas descrevo as mais óbvias:

 – negócios e produtos de baixa complexidade encontram forte demanda local prontamente disponível, principalmente próximo aos principais centros urbanos; 

– limitação técnica e/ou pouca formação em negócios reduz as chances de que a jornada dos empreendedores iniciantes tenha como objetivo mercados externos; 

– acesso ao crédito é complicado e caro, quando disponível; porém, a análise de fundamentos econômicos para um novo negócio não costuma ser tão estruturada, levando vários empreendedores pequenos a uma “jornada de aventura”.

– cultura empreendedora é muito mais competitiva do que colaborativa, o que reduz a possibilidade de composições ou arquétipos mais sofisticados para competir em nível internacional. Assim, entrantes miram mercados já atendidos por empresas existentes, em um modelo de competição canibalista.

Obviamente que organizações mais sofisticadas (estrangeiras ou brasileiras) também se aventuram no nosso mercado, mesmo porque não é um mercado desprezível – de acordo com a UNCTAD, o Brasil conta hoje com uma população superior a 200 milhões de pessoas, PIB per capita pouco acima de 10 mil dólares/ano e uma população que cresce em ritmo moderado, ampliando o mercado interno de consumo. Não à toa, o país figura entre os que mais recebe investimentos estrangeiros diretos – no primeiro semestre de 2024, foi o segundo país que mais recebeu estes investimentos, atrás apenas dos Estados Unidos, segundo a OCDE. No entanto, predominam modelos de negócio em que se estabelecem filiais locais para atendimento do mercado interno, em detrimento de plataformas mais estruturadas para atendimento regional ou global.

Esta combinação de grandes corporações estrangeiras que são naturalmente dominantes em seus setores de atuação, ocupando os espaços de demanda em setores como varejo, alimentação, saúde, combinado com o ambiente complexo e volátil em termos macroeconômicos e políticos de certa forma “sufoca” e desestimula o ciclo de surgimento/crescimento/sustentação de pequenos e médios negócios brasileiros. Estes, por sua vez, têm em sua história de formação e crescimento muito empirismo e um elevado nível de assunção de riscos por parte dos empreendedores envolvidos – uma combinação de arrojo, certo grau de informalidade e algum insight/talento poderoso que formam uma fórmula de sucesso, até certo ponto.

É fato que o arquétipo acima descrito é apenas uma generalização de um fenômeno típico de nosso meio empreendedor, e que não compreende 100% dos casos. São muitas as histórias empresariais que começam em ecossistemas planejados, contam com suporte técnico e de negócios adequados e um planejamento empresarial digno de estudo de caso. Mas boa parte das organizações que conheci de pequeno e médio portes apresentam deficiências nesta etapa da ideação/planejamento/desenvolvimento/prototipagem e lançamento, o que resulta em problemas de sustentação de longo prazo e performance. 

De qualquer forma, a falta de planejamento inicial e de uma cultura empresarial focada em ciclos de (re)planejamento e controle implica em um de dois desfechos típicos – no primeiro a organização não vinga, fazendo parte de uma estatística ruim para a economia brasileira (IBGE indica que mais da metade das novas organizações brasileiras não dura mais do que 6 anos). Este é o desfecho mais drástico e definitivo. Em um segundo caso, esta falta de planejamento e controle implica em outro desfecho igualmente problemático – o crescimento errático, muito alavancado e por vezes baseado em variáveis circunstanciais, como um modismo ou um nicho temporário. Esta combinação de endividamento para crescimento e certa superficialidade no controle das variáveis de negócios (mais precisamente geração de caixa, controle da demanda e monitoramento da concorrência) implica em problemas potencialmente mais severos, com performance econômica medíocre ou negativa, comprometendo acionistas, investidores e até mesmo clientes, por um tempo prolongado.

Para que o empreendedor evite estas armadilhas (ciclo empresarial curto; “vôo de galinha”, ou ciclo empresarial mais amplo, com crescimento errático e alto nível de endividamento – que aqui chamo “ciclo inconsequente”), é importante que as organizações, mais particularmente seus empreendedores/fundadores, dividam o foco em duas frentes – a primeira frente naturalmente é a que constrói valor, incluindo as ações para geração de demanda, desenvolvimento e promoção de produto; execução e gestão de pós-vendas. A segunda é a que conserva valor e retorna dividendos – captação de recursos, otimização da monetização e geração de caixa, provisões e reinvestimentos. Esta segunda é particularmente importante para lidar com variações aos planos e eventuais sazonalidades ou recessões, fenômenos particularmente severos em tempos de instabilidade política e rápidas mudanças tecnológicas. 

Para concluir, uma frase de um amigo e grande executivo com quem tive a oportunidade de trabalhar (e aprender) – “todos os planos em uma empresa são importantes… mas o Caixa é Rei”. A Angularis oferece serviços de diagnóstico e suporte ao planejamento estratégico de sua empresa, a fim de evitar armadilhas de crescimento.

Alexandre Serrano – 14/04/2025

REFERÊNCIAS
https://archive.doingbusiness.org/en/rankings
https://unctadstat.unctad.org/insights/theme/38
https://exame.com/negocios/60-das-empresas-nao-sobrevivem-apos-cinco-anos-no-brasil-aponta-ibge/
https://www.econodata.com.br/empresas/todo-brasil